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Ação Civil Pública de Desmatamento: Rejeição do pedido de Inversão do Ônus da Prova

A Ação Civil Pública de Desmatamento é um mecanismo legal crucial no combate a danos ambientais significativos. Uma característica fundamental desse tipo de ação é a possibilidade de inversão do ônus da prova, que coloca a responsabilidade de comprovar a legalidade das atividades no réu, geralmente produtores rurais e empresas. Neste artigo, exploraremos a complexidade da inversão do ônus da prova e estratégias legais para sua descaracterização.

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Por Adivan Zanchet e Tiago Martins

Entendendo a Inversão do Ônus da Prova

Documentos empilhados em uma mesa.

A inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública de Desmatamento é um dispositivo legal que desafia a abordagem tradicional em que a parte autora (Ministério Público ou entidade ambiental) tem o ônus de provar a infração ambiental. Quando a inversão ocorre, a parte ré (produtores rurais ou empresas) deve demonstrar que suas atividades estão em conformidade com as leis ambientais.

Essa inversão é acionada quando há indícios suficientes de dano ambiental e quando a parte autora alega dificuldades para coletar provas. Isso coloca um peso significativo sobre os réus, que precisam reunir evidências sólidas para demonstrar sua inocência.

Entendimento esse trazido pela Súmula 618, do STJ:

A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental. (STJ, Data de Julgamento: 24/10/2018)

Mas vale sempre destacar que apesar da existência de tal entendimento sumulado, esse não pode ferir os direitos legais das partes.

Fundamentos Jurídicos para a Descaracterização da Inversão do Ônus da Prova

Advogado pesquisando dados sobre o Ônus da Prova

Para descaracterizar a inversão do ônus da prova, é essencial fundamentar sua defesa em princípios jurídicos sólidos. Os réus devem buscar argumentos que demonstrem a legalidade de suas ações, como a conformidade com licenças ambientais, o cumprimento de normas técnicas e a ausência de dano ambiental significativo.

É importante destacar que a descaracterização da inversão do ônus da prova não é uma tarefa simples. Requer uma equipe jurídica experiente e a coleta meticulosa de evidências. Além disso, é fundamental compreender que, mesmo com a descaracterização, a responsabilidade pela conformidade com as leis ambientais permanece com os réus.

Uma das estratégias legais comuns para descaracterizar a inversão do ônus da prova envolve a demonstração de que a propriedade ou a atividade em questão está inserida em uma área rural consolidada. Conforme a Lei nº 12.651/2012, que dispõe sobre o novo Código Florestal Brasileiro, áreas rurais consolidadas são aquelas que foram objeto de atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo ou turismo rural, incluindo as estruturas físicas, as instalações e as benfeitorias.

Ao comprovar que a propriedade está em uma área rural consolidada, os réus podem argumentar que suas atividades já estavam segundo a legislação ambiental vigente na época em que foram realizadas. Isso pode ajudar a descaracterizar a inversão do ônus da prova, uma vez que demonstra a legalidade das atividades em questão.

Outro ponto é a apresentação de licenças ambientais e autorizações concedidas pelos órgãos competentes. Isso inclui a Licença Ambiental Prévia, Licença de Instalação e Licença de Operação, conforme previsto na legislação ambiental. A existência dessas licenças pode ser utilizada como prova da conformidade com a regulamentação ambiental em vigor à época da concessão.

Jurisprudência: A Obrigação de Comprovar os Fatos Alegados

Representação da justiça.

A jurisprudência em questão é um pilar importante para entender a dinâmica da inversão do ônus da prova em ações civis públicas de desmatamento. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunais Regionais Federais (TRFs) têm se posicionado sobre a necessidade de que o Ministério Público ou órgãos ambientais comprovem os fatos alegados, apesar da existência do entendimento já pacificado pela inversão do ônus da prova.

Em decisões recentes, como a do STJ – Agravo em Recurso Especial – 2022/0093122-8 – foi rejeitado o pedido de inversão do ônus da prova, realizado pelo polo ativo (Ministério Público), uma vez que não houve provas suficientes de dano ambiental. Assim sendo, resta evidente a necessidade da parte autora em apresentar provas robustas de infração ambiental.

Para ilustrar a complexidade desse processo, é instrutivo analisar exemplos reais e jurisprudência relevante. É importante notar que a jurisprudência varia de acordo com as circunstâncias específicas de cada caso, tornando essencial uma abordagem individualizada na defesa legal.

Apenas a suspeita de desmatamento não é suficiente para transferir integralmente o ônus da prova para o réu. Vejamos tal entendimento jurisprudencial:

EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANOS AMBIENTAIS – PRELIMINAR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – REJEITADA – MÉRITO – CONSTRUÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – ÁREA RURAL CONSOLIDADA – ART 61-A DO CÓDIGO FLORESTAL – AUSÊNCIA DE DANO AMBIENTAL – RECURSO DESPROVIDO CONTRA O PARECER Cabe ao autor provar o fato constitutivo do direito invocado e, ao réu, a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, conforme disposto no art. 373, do CPC (…)

Outrossim a inversão do ônus da prova em direito ambiental não é uma regra de julgamento, tanto é que não ocorre de forma automática devendo ser analisada de acordo com o caso concreto. É certo que é aplicável a inversão do ônus da prova nas ações de degradação ambiental, nos termos do enunciado sumular n. 618 do STJ. Porém, não se trata de aplicação automática e impositiva, devendo as instâncias ordinárias analisarem os requisitos da redistribuição dos encargos probatórios. No caso em apreço, verifica-se, pela análise do trecho do acórdão destacado alhures, que o Tribunal de origem concluiu pela ausência de elementos autorizadores da inversão do ônus probatório com base na realidade que se delineou à luz do suporte fático-probatório constante nos autos,

(STJ – Agravo em Recurso Especial – 2022/0093122-8, Relator: MIN. GURGEL DE FARIA, Data de Publicação: 02/12/2022)

Conclusão

Pessoas dão as mãos em meio ao verde

Para produtores rurais e empresas envolvidos em Ações Civis Públicas de Desmatamento, é crucial adotar uma estratégia abrangente. Isso inclui a contratação de advogados especializados em Direito Ambiental, que compreendam os meandros da inversão do ônus da prova e possam orientar na coleta adequada de evidências.

Em conclusão, a inversão do ônus da prova na Ação Civil Pública de Desmatamento é um desafio significativo para produtores rurais e empresas. Para descaracterizá-la, é necessário um esforço jurídico substancial, fundamentado em argumentos sólidos e evidências concretas. O conhecimento especializado em Direito Ambiental e a colaboração com especialistas são fundamentais nessa jornada legal complexa. A compreensão das nuances e a busca pela conformidade legal contínua são os pilares de uma defesa eficaz contra a inversão do ônus da prova.

 

 

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Conheça os autores

Tiago Martins

OAB/PA 19.557 e OAB/SC 68.826-A

Advogado e Professor de Direito Ambiental com maior atuação no contencioso cível, adminsitrativo e penal ambiental, além prestar consultoria e assessoria ambiental. É Mestre em Direito e Desenvolvimento Sustentável: Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário do Pará – Belém. Conselheiro Seccional Suplente – OAB/PA. Conselheiro Suplente no Conselho de Desenvolvimento Urbano de Belém/Pa. Professor Universitário de Graduação e em Pós-Graduação, focado em Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito Constitucional. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Direito Ambiental na Prática, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Professor em preparatórios para concursos públicos e exame de ordem, focado em Direito Ambiental e Ética profissional. Diretor de Ensino do Instituto de Direito Ambiental – IDAM.

Adivan Zanchet

OAB/RS 94.838 e OAB/SC 61.718-A

Advogado e Professor especialista em Direito Ambiental pela Escola Verbo Jurídico, e em Direito Agrário e do Agronegócio, pela FMP – Fundação Escola Superior do Ministério Público. Sócio-fundador e CEO do escritório MartinsZanchet Advocacia Ambiental. Como Advogado Ambiental, tem sua expertise voltada para Responsabilidade Civil Ambiental. Sócio-fundador da Escola de Direito Ambiental. Sócio-fundador do Canal no YouTube e Podcast Direito Ambiental na Prática, maior canal do Brasil sobre a matéria de Direito Ambiental. Vice-Presidente do Instituto de Direito Ambiental (IDAM). Autor de diversos artigos, dentre eles “Responsabilidade Civil Ambiental: as dificuldades em se comprovar o nexo causal”.

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