Artigo

O Julgamento de Antropização da APP em Uma Ação Civil Pública

Neste artigo, discutiremos a defesa em uma ação civil pública, com base em um estudo de caso, julgado pelo STJ, que envolve a construção de uma residência em área de preservação permanente.

ação civil pública, Antropização, Área de Preservação Permanente – APP, multa ambiental

 

Uma das principais preocupações da sociedade moderna é a preservação do meio ambiente e a conservação dos recursos naturais. Nesse contexto, as áreas de preservação permanente (APPs) desempenham um papel crucial na proteção dos ecossistemas e da biodiversidade. No entanto, nem sempre as situações fáticas se enquadram perfeitamente nas determinações legais, o que pode levar à propositura de ações civis públicas, Como no caso de Antropização que veremos a seguir.

Contextualização do caso

No caso em questão (REsp n. 1.664.335), o Ministério Público propôs uma ação civil pública buscando a demolição de uma residência que foi construída a poucos metros de um curso d’água, violando a área de preservação permanente (APP) de 30 metros prevista no art. 4°, inc. I, letra “a”, do Código Florestal. No entanto, o pedido foi rejeitado em primeira instância, e o Ministério Público recorreu.

Fundamentação da defesa

Na defesa apresentada, argumentou-se que a manutenção da edificação no interior da APP não contrariava o tema 1010/STJ, pois a localidade já havia passado por um processo de antropização, perdendo suas funções ecológicas originais. Os princípios da razoabilidade e proporcionalidade foram invocados para sustentar que a demolição da residência não seria a solução mais adequada e equilibrada no caso concreto.

Razoabilidade e proporcionalidade

A defesa fundamentou-se nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para justificar a manutenção da edificação. O princípio da razoabilidade implica a busca de uma solução equilibrada e proporcional, levando em consideração os interesses públicos e privados envolvidos. Já o princípio da proporcionalidade exige que as medidas adotadas sejam adequadas, necessárias e proporcionais aos fins almejados.

Vale trazer um trecho para melhor compreensão:

PROPOSITURA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO A DEMOLIÇÃO DE RESIDÊNCIA CONSTRUÍDA A POUCOS METROS DE CURSO D’ÁGUA.

PEDIDO REJEITADO. INSURGÊNCIA DO PARQUET. DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO E DA REMESSA NECESSÁRIA. MANUTENÇÃO DA EDIFICAÇÃO NO INTERIOR DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DE 30 METROS PREVISTA NO ART. 4°, INC. I, LETRA “A”, DO CÓDIGO FLORESTAL, EM VIRTUDE DA ANTROPIZAÇÃO DA LOCALIDADE E DA PERDA DAS FUNÇÕES ECOLÓGICAS DAS MARGENS DO CORPO HÍDRICO, COM FUNDAMENTO NOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SOLUÇÃO QUE NÃO CONTRARIA O TEMA 1010/STJ. PROPOSITURA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO VISANDO A DEMOLIÇÃO DE RESIDÊNCIA CONSTRUÍDA A POUCOS METROS DE CURSO D’ÁGUA.

PEDIDO REJEITADO. INSURGÊNCIA DO PARQUET. DESPROVIMENTO DA APELAÇÃO E DA REMESSA NECESSÁRIA. MANUTENÇÃO DA EDIFICAÇÃO NO INTERIOR DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (APP) DE 30 METROS PREVISTA NO ART. 4°, INC. I, LETRA “A”, DO CÓDIGO FLORESTAL, EM VIRTUDE DA ANTROPIZAÇÃO DA LOCALIDADE E DA PERDA DAS FUNÇÕES ECOLÓGICAS DAS MARGENS DO CORPO HÍDRICO, COM FUNDAMENTO NOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. SOLUÇÃO QUE NÃO CONTRARIA O TEMA 1010/STJ. (REsp n. 1.664.335, Ministro Sérgio Kukina, DJe de 15/03/2023.)

Antropização da localidade

Argumentou-se que a localidade em questão já havia sofrido um processo de antropização, ou seja, a intervenção humana havia alterado significativamente a área, resultando na perda das funções ecológicas originais das margens do corpo hídrico. Nesse sentido, a defesa sustentou que a construção da residência não representava um prejuízo substancial ao meio ambiente, uma vez que a área já havia perdido suas características de preservação original.

Dessa forma, a demolição da residência seria uma medida desproporcional e não condizente com a situação concreta.

A antropização de uma área de preservação permanente (APP) refere-se ao processo de modificação da área originalmente preservada devido à intervenção humana.

Destarte, esse processo pode incluir atividades como urbanização, construção de edificações, infraestruturas, desmatamento, entre outros. A antropização pode ocorrer de forma gradual ao longo do tempo, transformando a área em um ambiente artificial ou altamente modificado.

Quanto à perda do objeto da APP, ocorre quando as características naturais e os atributos ecológicos da área preservada são considerados irrecuperáveis ou significativamente alterados. Em outras palavras, a área deixa de cumprir sua função original de proteção ambiental e não é mais capaz de desempenhar os serviços ecossistêmicos para os quais foi designada.

Nesse contexto, é importante ressaltar que a perda do objeto da APP não é uma situação desejável, uma vez que essas áreas possuem um papel fundamental na preservação dos recursos hídricos, na conservação da biodiversidade e na manutenção dos processos ecológicos. No entanto, em alguns casos, devido à intensa ação humana e à transformação do ambiente ao longo do tempo, a recuperação integral da área pode se tornar inviável.

Quando se discute a defesa em uma ação civil pública envolvendo uma APP antropizada, é preciso analisar cuidadosamente o contexto específico do local, considerando elementos como a extensão da antropização, a perda das funções ecológicas, a presença de construções e a ocupação consolidada da área. Esses aspectos serão fundamentais para embasar a argumentação de que a demolição ou remoção da construção seria uma medida desproporcional e contrária aos princípios da razoabilidade.

Portanto, é necessário avaliar caso a caso, com base em estudos técnicos, pareceres especializados e fundamentação jurídica sólida, se a antropização da área de preservação permanente é de tal magnitude que justifique a manutenção das construções existentes, mesmo que em desacordo com as regras estabelecidas na legislação ambiental.

Fundamentação no tema 1010/STJ

A defesa argumentou que a solução adotada não contrariava o tema 1010/STJ. Esse tema trata da possibilidade de regularização de construções em áreas urbanas consolidadas, mesmo que situadas em áreas de preservação permanente. A jurisprudência tem reconhecido a necessidade de se buscar soluções equilibradas para casos semelhantes, levando em consideração o contexto específico e os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Conclusão

A defesa em uma ação civil pública envolvendo a construção de uma residência em área de preservação permanente próxima a um curso d’água requer uma argumentação sólida e embasada em princípios jurídicos e jurisprudência adequada.

Com base no caso julgado pelo STJ (REsp n. 1.664.335), fica evidente a importância de considerar a antropização da localidade e a perda das funções ecológicas das margens do corpo hídrico, além dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, na busca por uma solução equilibrada e justa.


Leia Também:

Posso construir em Áreas de Preservação Permanente – APP?

Assista ao nosso Podcast:

Ou veja diretamente pelo nosso canal do YouTube clicando AQUI!

Conheça os autores

Inscreva-se em nossa newsletter e receba nosso conteúdo em primeira mão!

    Conte com nosso conhecimento técnico para seu desenvolvimento estratégico e sustentável.

    Leia também

    Artigo

    Propter Rem: Uma Obrigação em Matéria Ambiental

    A obrigação propter rem é um instituto jurídico que desperta debates acalorados, especialmente quando aplicado no contexto ambiental. Este artigo busca aprofundar essa discussão, abordando tanto sua aplicação na esfera cível quanto na administrativa, destacando suas nuances e implicações legais.

    Artigo

    Posso construir em Áreas de Preservação Permanente – APP?

    O Código Florestal (Lei 12.651/12) estabelece como regra a proibição de construções em Áreas de Preservação Permanente, mas existem exceções. Saiba em quais situações é possível construir em APP!

    Artigo

    Descubra se sua Atividade Pode ser Feita Dentro de APP

    O Código Florestal – Lei 12.651/12 permite que pequenas propriedades ou posse rurais, áreas com até 4 módulos fiscais que desenvolvam atividade agrossilvipastoril e empreendimentos de aquicultura construam em área de preservação permanente. Conheça os requisitos necessários!

    Conte com nosso conhecimento técnico e jurídico para o desenvolvimento estratégico e sustentável do seu negócio.

    Conte com nosso conhecimento técnico e jurídico para o desenvolvimento estratégico e sustentável do seu negócio.